segunda-feira, 22 de junho de 2009

Sussurros







Foto A.M.







O barulho do limite das águas, a areia.
É preciso alcançar o fundo, aprender a desconfiar de mim.
Não somos da têmpera do amor, da limpidez da água,
somos isto que o tempo vai desprezando.

E o tempo despreza a vontade e a sua força,
deixa um rastro com formas de culpa,
um sofá, uma cama, o desinteresse.
Tudo objectos para secar um corpo, uma alma.

E pode passar muitos dias sem que um seio me chegue às mãos.
Talvez um ninho de folhas brancas e um engano.
Mas que Deus o permita, permita aceitá-lo sem culpa.
O barulho do limite das águas, a areia.

Paulo José Miranda, de A Voz Que Nos Trai
in
Jorge Reis-Sá (selecção e organização), Anos 90 e Agora - Uma Antologia da Nova Poesia Portuguesa, V.N. Famalicão, Edições Quasi, 2001