quarta-feira, 17 de junho de 2009
Escafandro
Foto in
plongeur.romandie.com
Fosse eu em ti, dentro de ti, escafandro,
Ao fundo mais fundo do mar sem fundo!
E lá, com léguas d'água sobre mim,
Cortasse o cabo de ligar-me ao ar
Um peixe horrorosamente belo,
Maravilhosamente desconhecido,
Com a sorte divina de nunca ter sido classificado
Pela prosaica sabedoria dos homens.
Fosse eu em ti, dentro de ti, escafandro,
Levando comigo, ao fundo do mar,
Um processo roubado aos sábios do futuro
De já não ser preciso os poetas comerem,
Porque o Sonho possui inesgotáveis vitaminas
E mais oxigénio do que toda a atmosfera.
(Ah! se algum dia a Ciência visse isto,
Acabava de vez com a fome dos pobres.)
Fosse eu em ti, dentro de ti, escafandro,
Iluminado pela incrível fosforescência dos peixes,
No fundo mais fundo do mar sem fundo,
Com léguas e léguas d'água sobre mim,
Sem outro medo que não fosse descobrir
Carcaças de navios torpedeados
Ou idênticas coisas diabólicas
Com que os homens maculam a pureza das águas.
Fosse eu em ti, dentro de ti, escafandro!
(Ah! como eu vejo o belo itinerário
E sinto o espanto e a maravilha dos encontros!)
Fosse eu em ti, já sem memória, já sem nome,
Com gestos e passos de monstro inofensivo,
Ébrio de sonho e solidão,
Anos e anos e anos a andar,
- Eterno «globe-trotter» do fundo do mar!
Carlos Queiroz, Epístola aos Vindouros e Outros Poemas,
Lisboa, Edições Ática, 1989
Ver também neste blogue, o Poema do Homem-Rã, de António Gedeão