O pajem deitou-lhe vinho, ao largo era já noite no mar – ele, erguendo o braço trémulo, bebeu vagarosamente, e havia nos seus olhos cansados, como no seio duma gruta marinha, ossadas de antigas e abrasadoras paixões.
Mas embalde o licor lhe circulava nos pergaminhos do corpo, à mira de incender-lhe reminiscências da mocidade.
E atirou a taça ao mar, do varandim rendilhado, por que ninguém mais, bebendo por ela, viesse a conhecer os segredos daquele amor de balada, feito de suspiros e raios de lua, perfumes de laranjeira e baques de coração espezinhado.
A taça oscilou ligeiramente nas águas, fez umas reviravoltas antes de seguir mar em fora, como uma gôndola deserta que procura o gondoleiro.
E o rei considerava em voz triste - quem mesmo velho pudera guardar-te dia e noite, taça de amor por onde os meus lábios beberam os vinhos generosos, por essas noites perladas dos ecos das serenatas, dos perfumes festivais das rosas, e da embriaguez dos profundos amores? ...Abandonaram-me os meus cavaleiros e não me queixo, fugiram-me os cortesãos e estou tranquilo: só a ideia de te deixar me atormenta, pois tu guardas inteira e palpitante a história do meu coração.
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Fialho de Almeida, O País das Uvas (excerto),
Lisboa, Ulisseia, 1987
Ver outras versões da célebre balada de Goethe, imediatamente antes e depois deste post.