sábado, 27 de junho de 2009

Panfleto contra a paisagem II




















Vogo nas ondas
com uma nereida ao pescoço
a segredar-me de frio
na espuma da voz do mar:

«Esquece, esquece o desânimo do mundo
no sopro da minha pele
onde adormecem tufões
nas algas de polvo e enleio.

«Dá-me os teus pulsos
para algemá-los de frio.
Dá-me o teu coração
para pesá-lo de refúgio.
Dá-me as tuas lágrimas
para a sede dos espelhos.
Dá-me a tua boca
para sorri-la de enfeite.
Dá-me os teus cabelos
para afagá-los de mãos iluminadas.
Dá-me os teus olhos
para pintá-los de violino.
Dá-me o teu peito
para espreguiçar-me mulher nos teus braços.
Dá-me...»

Basta, nereida verde
de corpo de espuma frio
todo em ondas de embalar!
Sou firme como o não dum homem
e não há sereia ou mulher
que me tente de traição.

Sou firme como o não dum homem
e não há ninguém no mundo
que me arranque com cetins
ou garras de sangrar sóis
este Remorso Militante
que trago na pele e nos gritos
como a minha arma inútil de combate!

José Gomes Ferreira, Poesia I
Lisboa, Portugália Editora, 1969