terça-feira, 30 de setembro de 2008

Apresentação


Cantar não é talvez suficiente.

Não porque não acendam de repente as noites

tuas palavras irmãs do fogo

mas só porque palavras são

apenas chama e vento.


Eu venho incomodar.

Trago palavras como bofetadas

e é inútil mandarem-me calar

porque a minha canção não fica no papel.

Eu venho tocar os sinos.

Planto espadas

e transformo destinos.

Os homens ouvem-me cantar

e a pele

dos homens fica arrepiada.

E depois é madrugada

dentro dos homens onde ponho

uma espingarda e um sonho.


E é inútil mandarem-me calar.

De certo modo sou um guerrilheiro

que traz a tiracolo

uma espingarda carregada de poemas

ou se preferem sou um marinheiro

que traz o mar ao colo

e meteu um navio pela terra dentro

e pendurou depois no vento

uma canção.


Já disse: planto espadas

e transformo destinos.

E para isso basta-me tocar os sinos

que cada homem tem no coração.


Manuel Alegre, «Praça da Canção»

in Obra Poética, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000