segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A arte da escrita


1

A criação do poema: batalha

silenciosa

entre o som e o sentido.


2

Autor? Amante? Se ficas o mesmo

depois dessa viagem,

não fizeste viagem nenhuma


3

Não há poema para si;

não há poema sem Outro, a quem, cego,

se ofereça.


4

O salto imprevisível

da escuta para a escrita.


5

Aceitar, absorver, engolir

tudo: metáforas, inspirações -

o caos, a contaminação

da rua e do cânone e da corte. Depois

o estilete, o estilo, a minha maneira.


6

O poema está mais quente

na boca de quem o canta

do que no ouvido de quem escuta.


7

Um poema não se escreve. O poema

é escrito no momento preciso

em que é o corpo de si próprio

e pouco tem já a ver com a mão de quem escreve.


8

A emoção em arte é uma espécie

de música, parece dada

mas não foi (...) foi composta

e depois parida

com muita dor (ainda que a não sintas).


9

Depurar, depurar. O poema

nasce das palavras

que ficam pelo caminho.


10

A palavra não diz nada,

único dizer é o silêncio.


Casimiro de Brito / Rosa Alice Branco,

Animal Volátil, Porto, Edições Afrontamento, 2001