Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Este comboio de corda
Que se chama coração.
1-4-1931
Fernando Pessoa, in Poesia do Eu,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2006