segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Circo

Poeta não é gente, é bicho coiso
Que da jaula ou gaiola vadiou
E anda pelo mundo às cambalhotas,
Recordadas do circo que inventou.

Estende no chão a capa que o destapa,
Faz do peito tambor, e rufa, salta,
É urso bailarino, mono sábio,
Ave torta de bico e pernalta.

Ao fim toca a charanga do poema,
Caixa, fagote, notas arranhadas,
E porque bicho é, bicho lá fica,
A cantar às estrelas apagadas.

José Saramago, Os Poemas Possíveis,
Lisboa, Editorial Caminho, 19781, 2.ª ed.