domingo, 11 de outubro de 2009

Bacalhau assado com azeite e alho


Entrada da
Fundação
Eça de Queirós,
em Tormes.

(Foto
Anthero
Monteiro)





- Que tens tu para jantar? Não fizeste cerimónia, hem? - E com uma ideia súbita: - Tens tu bacalhau? Devia haver, talvez. Que extravagância! Porquê?
- Ai! - exclamou. - Manda-me assar um bocadinho de bacalhau! Meu marido detesta o bacalhau! Meu marido detesta o bacalhu! Aquele animal! Eu é a minha paixão. Com azeite e alho! -
Mas calou-se, contrariada.
- Diabo!
- O quê?
- É que hoje não posso comer alho...!
(...)
E como Juliana entrava com o bacalhau assado, fez-lhe uma ovação:
- Bravo! Está soberbo!
Tocou-lhe com a ponta do dedo, gulosa; vinha louro, um pouco tostado, abrindo em lascas.
- Tu verás - dizia ela.
- Não te tentas? Fazes mal!
Teve então um momento decidido de bravura, disse:
-Traga-me um alho, Senhora Juliana! Traga-me um bom alho!
E apenas ela saiu:
- Eu vou ter logo com o Fernando, mas não me importa!... Ah! Obrigada, Senhora Juliana! Não há nada como o alho!...
Esborrachou-o em roda do prato, regou as lascas do bacalhau de um fio mole de azeite, com gravidade.
- Divino! - exclamou.
Tornou a encher o copo, achava aquilo "uma pândega".

Eça de Queirós, O Primo Basílio
(excerto in Receitas Literárias - Vol. 1,
Lisboa, 101 Noites, 2000)