sábado, 10 de outubro de 2009

Rubayat - Odes ao vinho



Velasquez,
Los borrachos
ou
The Feast of Bacchus
(1627)






Uma vez que ignoras o que te reserva o dia de amanhã,
procura ser feliz, hoje.
Toma uma ânfora de vinho, senta-te ao luar e bebe
lembrando-te que, talvez amanhã, a lua te procurará em vão.


Homem que bebes, ânfora imensa, ignoro quem te modelou.
Somente sei que és capaz de conter três medidas de vinho
e que a Morte te destruirá um dia.
Então perguntarei a mim mesmo, mais demoradamente,
por que é que foste criado, por que é que foste feliz
e por que é que, agora, és somente poeira.


Quando nasci? Quando morrerei?
Nenhum homem pode evocar o dia do seu nascimento
e designar o da sua morte.
Vem, minha dócil bem-amada!
Eu quero pedir à embriaguez que me faça esquecer
que nunca saberemos nada.


Na primavera, gosto de me sentar na orla de um campo florido.
E, quando uma bela rapariga me traz uma taça de vinho,
não me importa nada a minha salvação.
Se eu tivesse essa preocupação, valeria menos que um cão.


Ninguém pode compreender o que é misterioso.
Ninguém é capaz de ver o que ocultam as aparências.
As nossas moradas são provisórias, excepto a última: a terra.
Bebe vinho! Basta de palavras supérfluas.


Bebe vinho! Receberás vida eterna.
O vinho é o único filtro que pode restituir-te a juventude.
Divina estação das rosas, do vinho e dos amigos sinceros.
Goza este fugitivo instante que é a vida.


A vida escoa-se.
Que resta de Bagdad e de Balk?
O menor toque é fatal à rosa completamente desabrochada.
Bebe vinho e contempla a lua, evocando as civilizações
que ela já viu extinguirem-se.


Quando a sombra da Morte se alongar para mim,
quando o feixe dos meus dias estiver atado,
eu hei-de chamar-vos e vós levar-me-eis, ó meus amigos!
Quando eu me tornar pó, vós moldareis
com as minhas cinzas uma ânfora que enchereis de vinho.
Talvez, então, me vejais reviver.


Numa taberna, pedi a um velho
que me informasse sobre aqueles que morreram.
Respondeu-me:
«Não voltarão. É tudo o que sei. Bebe vinho!»


Os sábios não te ensinarão nada,
mas a carícia dos longos cílios de uma mulher
revelar-te-á a felicidade.
Não esqueças que os teus dias são contados
e que, bem depressa, tu serás presa da terra.
Compra vinho, afasta-te para um canto e deixa-o consolar-te.


Cansado de interrogar, em vão, os homens e os livros,
eu quis interpelar a ânfora.
Pousei os meus lábios sobre os seus e murmurei:
Para onde irei quando morrer?
A ânfora respondeu: Bebe na minha boca.
Bebe longamente. Jamais voltarás aqui.


Ignorante, que te julgas sábio, vejo-te sufocado
entre o infinito do passado e o infinito do futuro.
Quererias implantar um limite entre esses dois infinitos
e aí te alcandorares…
Melhor será que te sentes sob uma árvore,
junto de um jarro de vinho que te fará esquecer a tua impotência.

Omar Khayyam, Rubayat - Odes ao vinho,
Lisboa, Editorial Estampa, 1990
(selecção de Anthero Monteiro para este blogue)
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Hakim Omar Khayyam nasceu em Naishápúr, cidade do nordeste da Pérsia, em 1048, e morreu em 1123. Ficou famoso não só por ser poeta, mas também conceituado matemático, geómetra e astrónomo, tento dado uma larga contribuição à reforma do calendário persa.