sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Balada da ameixa seca







Foto
A.M.







Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P’ra o intestino a ameixa é levada da breca!

O mal do Ocidente – quem há que não o sinta? –
É não ter a tripa sempre limpa.

Com seus altos valores, o Ocidente
Dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.

Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:
Dão melhores guerrilheiros do que nós.

Um saquitel de arroz , uma biciclet’,
Arma na bandoleira – e lá vai o viet.

“Noss’povo”, ao contrário, come o que apanha à mão.
Até parece fome de muita geração!

E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.
Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.

Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,
“Noss’povo” já nada tem de marinheiro.

Sua tripa, represa, é trabalhosa.
Sua prosápia já só é má prosa.

Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas
Manda cortiça, vinho, diplomatas.

Espera contrapartidas: sol-e-vistas
É cartaz que atrai muitos turistas.

Mas com a ameixa seca – coisa pouca! –
É que pode acordar sem amargos de boca.

Vai à mercearia e compra ameixa seca.
P´ra o intestino a ameixa é levada da breca!

Alexandre O'Neill, Tomai lá do O'Neill,
Mem Martins / Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 1986