domingo, 11 de outubro de 2009

Gomes de Sá

O bacalhau desceu a rua a medo e pensou:

- Bato ou não bato à porta dele?

Notou um suor frio que começava a demolhá-lo. Entrou no Bar Batana e tomou um bagaço de golada. Endireitando a espinha, recobrou ânimo e voltou à rua. Atrás, a uma distância prudente, seguiam-se três batatas a murro.

- Trus-trus-trus! – bateu receoso com a barbatana esquerda.

- Quem é? – inquiriu Gomes de Sá.

- Desculpe, Sr. Gomes…

- Ah! és tu, meu cabrão? E tens coragem de vir inteiro?

- Oh.. oh… Sr. Gomes de Sá…

- Vai-te esfiar, meu bacalhau de merda!

A noite fria abafou as vozes. O refogado estrugia já na panela. O bacalhau, resignado, foi executado em lume brando. Lá fora, uma delegação da Gastronomia Internacional, a bordo dum bacalhoeiro da Green Peace, preparava já o relatório de mais uma violação dos direitos dos bacalhaus para divulgar na net.

site: www.bacalhauamnarcisa.com.ebebe.

João Habitualmente, Notícias do Pensamento Desconexo,
Porto, Edições Mortas, 2003

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Este prato tradicional do Norte recebeu o nome do seu criador, José Luís Gomes de Sá, que foi cozinheiro do restaurante Lisbonense, no Porto, lugar onde o criou. Faleceu em 1926.

Luís Habitualmente, autor também de Os Animais Antigos (Objecto Cardíaco, 2006), é pseudónimo de José Luís Fernandes, professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação do Porto e investigador do Centro de Ciências do Comportamento Desviante, que publicou artigos em jornais diários daquela cidade e livros sobre os referidos comportamentos e o Mundo das Drogas e da Toxicodependência.