domingo, 25 de outubro de 2009

Café com leite

Começou a mexer o café com leite com a colherzinha. O líquido quase transbordava da chávena empurrado pelo movimento do utensílio de alumínio (o recipiente era vulgar, o sítio era ordinário e a colher estava arredondada pelo uso). Ouvia-se o barulho do metal contra o vidro. Tim, tim, tim, tim. E o café com leite girava, girava com uma cova no meio. Um maelstrom. E eu encontrava-me sentado mesmo à frente. O café estava à pinha. O homem continuava a mexer, a mexer, imóvel, e sorria ao olhar-me. Senti uma coisa subir por mim acima. Fitei-o de tal maneira que se viu na obrigação de se explicar:
- O açúcar ainda não está derretido.
Para mo provar, bateu com a colher várias vezes no fundo do copo. Recomeçou a mexer metodicamente a beberagem, com uma energia redobrada. Voltas e mais voltas, sem parar, eternamente. Voltas e mais voltas e mais voltas. E continuava a olhar para mim, sorrindo.
Então puxei da pistola e disparei.

Max Aub, Crimes Exemplares
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N. Paris, 1903. F. Cidade do México, 1972. Escritor espanhol, nascido em Paris, filho de pai alemão e mãe francesa, ambos de origem judia, foi viver para Valencia aos 11 anos. Após a Guerra Civil Espanhola, refugiou-se em Paris e depois no México até à morte.