terça-feira, 13 de outubro de 2009

Madrigal do peixe fresco

vendes polvos, tamboris,
carapaus, raias, tainhas,
azevias e sardinhas
e com gestos senhoris
enquanto vendes te ris
das furiosas vizinhas
senhoras do seu nariz

se elas dizem o pior
da tua banca em que vejo
também goraz e badejo
e besugo do melhor
é por não terem ensejo
nem honra desse cortejo
prateado em teu redor

fazem um grande escabeche
com inveja da mais pura
dos tabuleiros de peixe
que te chegam à cintura
a rematar-te a figura
e a pôr-lhe um brilho que mexe
de escamas a meia altura

se a prata o peixe ornamenta
há quem não saiba ou não diga
que é metal de boa liga:
a gentinha não aguenta
e quando não sabe inventa
ou faz cruzes e uma figa
e só delas se sustenta

foge a tal palavreado
que não é coisa que preste
se a vizinhança é agreste
e o peixe mal empregado
deixa que eu me manifeste
desaperta o teu toucado
e a prata que te reveste

traz no corpo esse meneio
próprio dos vaivéns das vagas
e a cor delas também tragas
de olhos verdes para enleio
dos meus quando o sol apagas:
faço-me ao mar sem receio
por saber que me naufragas

Vasco Graça Moura, Poesia 1997-2000,
Lisboa, Círculo de Leitores, 2002