segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Duas palavras para a noite







Rosa Alice
Branco em
foto de
Anthero Monteiro

(Maio 2009)








Agora sou o dia. Arrumei as roupas
da última viagem, a tua voz
na gaveta junto à cama.
Em que língua ouço as primeiras vogais
do nosso alfabeto, o cheiro dos lençóis
depois do sono? Vem de mansinho
pela rua estreita onde uma flor abre
sempre que passamos. És tu que o dizes,
és tu que abres quando a flor. Quando abres
o pão. O azeite no prato e os nossos dedos
sulcando os caminhos da boca e todo o corpo
a caminho um do outro. Também o vinho.
O vermelho da noite. Também a língua.
Sinto que a gastronomia e o amor
são duas palavras para a mesma coisa.
Não me acuses de plágio. Como posso
dizer o que ainda não disseste?

Rosa Alice Branco, Soletrar o Dia,
V.N. Famalicão, Edições Quasi, 2002