domingo, 25 de outubro de 2009

A uma lata velha









Paul Cézanne
,
La Femme à la Cafetière








Pego na velha cafeteira amolgada
que nesta cozinha de Cacela
conheceu as mãos laboriosas de minha Mãe.
Está reformada, abandonada, triste,
ninguém mais se serve dela.
Dou-lhe de vaia: anima-se, pergunta-me por ela,
chora como um velho ao recordar:

–Amolgou-me toda,
às vezes deixava-me cair no chão,
mas era tão minha amiga!

– Andava sempre à pressa! As suas mãos
sentiam-se responsáveis pela família toda!

– Lavavam-me com tanta força que me faziam doer!
Mas sempre com muito amor.

– Olha, eu agora vou fazer café só para mim.
Vês a diferença? Tempos modernos.
Cada um por si e Deus por todos (se é que Deus existe.)
Mas minha Mãe, essa, existiu, lembras-te?

– Se me lembro!

…e abandonada aos soluços da fervura
desata num choro convulso.
Acudo com uma colher acogulada de café moído:
rompe em tal espasmo ou pranto
que o café transborda e suja o fogão todo.
Comentam ironicamente ao meu lado:

– Com uma máquina eléctrica ao lado
e prefere fazer borras numa lata velha!

Deus queira que ela não tenha ouvido:
já está tão surda! Mas vou-lhe dizendo:

– Não ligues a esses parvos!
Para eles, café é só café!

Teresa Rita Lopes, Afectos