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Por exemplo, nunca bebeu. Comer, comeu, mas nunca bebeu.
Nem vinho nem cerveja. Nem aguardente.
Nem um grogue.
Não era inimigo do álcool, não bebia álcool porque não bebia nada.
Limitava-se a comer. Nem um gole de água bebeu em toda a sua vida.
Chegava mesmo a odiar a água, nem conseguia olhar para ela.
Ao meter as mãos na água, brrr. Nem pensar, porque quando o fazia logo
lhe apareciam borbulhinhas lilases. Assim, odiava exclusivamente a
água; por exemplo, já não detestava tanto a aguardente. Mas não a
bebia. Também a detestava, mas não tanto. Portanto, odiava a água.
Ficava sempre com aquelas borbulhas. Mas também não bebia leite,
nem sumo de laranja, nada.
Nem coca-cola.
Mas ainda não existia coca-cola, e mesmo que existisse não a beberia.
Não beberia. Antes cuspi-la.
Mas comia.
É verdade que não comia de tudo.
Por exemplo, sopa não comia.
Comia muitas coisas, mas sopa não. Assim vivia. Era capaz de comer
imenso. Só não bebia. Comia. Era o seu maior prazer. Era um rei
esquisito. Um caso bastante estranho. Coisas que acontecem.
Endre Kukorelly
Poeta húngaro, nascido em Budapeste em 1951.