segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Agora sim
Anthero Monteiro
(Foto Elias Moreira)
depois dos meus esforços e promessas
sem obter qualquer resultado
os olhos das outras cabeças
olham-me enfim de um modo diferente
já todos concordam porque é evidente
que agora está tudo mudado
------ agora sim sou um rapaz atilado
deixei de andar para aí sem direcção
completamente desnorteado
ganhei enfim uma outra dimensão
este sossego como nunca tive
esta calma tão sábia de ser livre
embora ao mesmo tempo aprisionado
------ agora sim sou um rapaz atilado
deixei de andar a vociferar pelo mundo
que a vida é isto de ser-se arrastado
arrastando um sonho infecundo
e que o sonho não é nada etéreo
é afinal um problema sério
um fardo terrivelmente pesado
------ agora sim sou um rapaz atilado
atolado num verdadeiro sono
curei pra sempre aquele mal danado
a insónia a obsessão o abandono
a ânsia sem limite o nojo o tédio
achei enfim o único remédio
estou completamente curado
------ agora sim sou um rapaz atilado
sem medo vêm ver-me bem de perto
pacífico entre tábuas apertado
já nem sequer protesto contra o aperto
eu que toda a vida esbravejei
pela liberdade e contra a cegueira da lei
aceito tudo isto com agrado
------ agora sim sou um rapaz atilado
e assim vencido este terrível bicho
peguem em mim e atirem-me ao lixo
Anthero Monteiro, Desesperânsia,
Vila Nova de Gaia, Corpos Editora, 2009, 2.ª edição