domingo, 2 de agosto de 2009

A confissão






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acabrunhado sob o saco ingente
e sob um plúmbeo remorso
muito mais pequenino que os meus crimes
ia ali alijá-los
no trono do perdão
a troco de uma bênção redentora
na língua lustral do Lácio

ia poder enfim
liberto daquele ónus humilhante
regressar ao larguinho exterior
emoldurado de tílias
para ser mais um pássaro entre tantos

perdoai-me Padre que pequei
gritaram-lhe os meus olhos já sugados
pela treva da sotaina

e fui depositando num cicio
o imenso rol de três delitos sórdidos
----- insubmissões domésticas
----- as desatentas preces de inexplicáveis pressas
----- e por fim
----- deixara para o fim a carga mais pesada
----- os aprazíveis pensamentos maus
----- à roda de sentidos consentidos

e quando o fardo me levou com ele
até ficarmos rasos com o chão
vi-lhe a sombra das mãos subir aos meus cabelos
decerto ia afagar-mos compreensivo
erguer da lama os joelhos da minha alma
e derramar na fronte da ignomínia
o refrigério tão apetecido

mas as mãos preferiram-me as orelhas
p´ra levantar do chão do meu opróbrio
apenas o meu corpo de menino

e ouvi
todos ouviram afinal
daquela voz de deus tonitroante
que esquecera porém todo o Latim
a ameaça do inferno inda na terra

humilhado saí
ficou apenas
na fria laje a minha alma de rojo

e foi o remédio sacrossanto
emendei-me p’ra sempre
nunca mais disse a verdade

Espinho, 28 de Julho 1999

Antero Monteiro, Evangelho Segundo (inédito)