segunda-feira, 31 de agosto de 2009

À espera




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à espera impaciente
à porta da saída

que se te abrisse o ventre

e que eu saudasse a vida

cá fora os circunstantes

longos meses à espreita

ansiosos expectantes

fugindo à má suspeita


e tudo decorrera

tal qual como o previsto
e no que deu a espera?
foi tão-somente nisto!

aliás bem agoureiro

o meu primeiro grito

foi o indício primeiro

da sorte do proscrito


à espera sempre à espera

a nossa vida toda

que venha uma outra era

ou que inventem a roda

à espera do doutor

do carteiro e da carta

dum gesto redentor
do raio que nos parta


à espera da chamada
ou do esquecimento

duma qualquer cartada

ou do arrependimento

à espera da bebida

do café ou do uísque

de quem nos salve a vida

de quem por nós se arrisque


sempre à espera da noite
de um comboio na gare
ou de alguém que se afoite
e que se nos declare

à espera de vénus

do sol da lua cheia

à espera dos acenos

de alguma deusa ateia


à espera de uma praia

onde tires a blusa

onde deixes a saia

sem a menor recusa

e de que eu já descrente
não tenha outra saída

senão ver finalmente

a terra prometida

à espera da maré

duma onda ou de um peixe

que sobrevenha a fé

ou que outra fé nos deixe

à espera do messias
da virgem impoluta
ou do profeta elias
ou de um filho da puta


à espera que algo nasça

ou que algo faça efeito

ou então da desgraça

que leve tudo a eito

à espera que uma bomba
com mil garras de lume

nos rebente na tromba

e nos devolva ao estrume

disso é que eu ando à espera
e que não esqueci nunca

que venha a bruta fera

e a sua garra adunca

o caixão e o verme

o coval e a formiga

e eu ali tão inerme

sem nada que vos diga


depois à espera enfim

há quem nisso acredite

que eu me regresse a mim

que todo ressuscite
que junte ao tronco os braços

as minhas pernas fartas

todo
s os meus pedaços
comidos p’las lagartas


ah falta-me a cabeça

por muito que lhe custe

que ela aqui compareça

pra completar o embuste

vou esperá-la aflito

pois é-me imprescindível

p´ra encarar o infinito

cheirar o indizível


preciso pois do ouvido

e destes olhos meus
para ouvir o grunhido

ver a sombra de deus

quero principalmente

a boca escancarada
p’ra nas barbas desse ente
dar uma gargalhada



Anthero Monteiro (inédito)
Porto/S. Paio de Oleiros, 27/04/06