segunda-feira, 3 de agosto de 2009
O gato
Fernand Léger,
La Femme au Chat,
1955
quando eu entrei abriste-me o sorriso
e o teu felino olhar algo enigmático
no teu colo dormia sorumbático
um gatarrão da pérsia enorme e liso
elegante macio tão felpudo
a ronronar enredos e segredos
exigia a carícia dos meus dedos
na fofa macieza do veludo
e enquanto das orelhas para a cauda
com prazer do felídeo manifesto
eu ia repetindo aquele gesto
ardiam os teus olhos de esmeralda
num ímpeto malévolo de Herodes
talvez porque o bichano só dormia
talvez pelo requinte da arrelia
lembrei-me de puxar-lhe os seus bigodes
mas num salto esgueirou-se para a rua
e naquele sortílego segundo
nesse relance mágico e profundo
é que eu vi só então que estavas nua
e logo ali num cio sem rodeios
perdido no teu colo já desnudo
as mãos que tinham vindo do veludo
encontraram a seda dos teus seios
Anthero Monteiro, Cenas Obscenas,
V.N. Gaia, Corpos Editora, 2001