sábado, 1 de novembro de 2008

Alegria


Platero brinca com Diana, a linda cadela branca que parece o quarto crescente; com a velha cabra cinzenta, com as crianças...

Diana salta, ágil e elegante, diante do burro, tocando a leve campainha, e faz que lhe morde o focinho. E Platero, pondo as orelhas em ponta, como dois cornos de piteira, marra-lhe brandamente, e fá-la rolar na erva em flor.

A cabra vai ao lado de Platero, roçando-se nas suas patas, puxando, com os dentes, a ponta da espadanas da carga. Com uma cravina ou uma margarida na boca, põe-se na frente dele, toca-lhe na testa, e brinca, e bale alegremente, meiga como uma mulher...

Entre as crianças, Platero é um brinquedo! Com que paciência sofre as suas loucuras! Como caminha devagar, parando, fingindo-se pateta, para que elas não caiam! Como as assusta, iniciando, de súbito, um trote falso!

Claras tardes do Outono de Moguer! Quando o vento puro de Outubro afia os seus límpidos rumores, sobe do vale um alvoroço idílico de balidos, de relinchos, de risos infantis, de latidos e de campainhas...


Juan Ramón Jiménez, Platero e Eu,
Lisboa, Livros do Brasil, s/d
Foi o primeiro livro que os meus pais me ofereceram. Acompanhou-me toda a vida e levei-o muitas vezes para as minhas aulas de Português. Tenho-o, ainda bastante conservado, com umas folhas dobradas no seu interior, que são, afinal, a planificação de uma memorável aula para o dia 19 de Janeiro de 1977, na turma do 2.º 7 do meu ano de estágio na Escola Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia. Assistiu a orientadora e registei nessas folhas as suas lisonjeiras apreciações finais.
O livro de Jiménez (1881-1958), premiado com o Nobel em 1956, está entre os meus livros de poesia e trato-o como tal. O último capítulo foi escrito em 1916 em Moguer - Huelva, terra natal do escritor que foi da geração de 27 e depois dela se afastou. Salvador Dalí e Luis Buñuel escreveram-lhe um dia que Platero era « o burro mais burro que conhecemos», mas foi, para mim, uma das personagens mais queridas da minha juventude, só equiparável ao Rocinante do Dom Quixote, que também li, na língua original, na mesma altura.