domingo, 2 de novembro de 2008

Com uma criança nos braços

Vem, através de tudo vem,
com lentos, lentos mas implacáveis passos
aquela mulher que tem
uma criança nos braços.

Vem através das páginas da história
que já não conseguimos apagar
-quem pudesse fechar a memória
e deitar a chave ao mar.

Vem, através de tudo avança.
E há pessoas que ficam ofendidas
porque aquela mulher e aquela criança
deveriam ser proibidas.

Deveriam ser mas para sê-lo
os pássaros não teriam asas
e seria preciso toneladas de gelo
para apagar biliões de brasas.

E ela vem. Como se tudo desenhasse
em lentos, lentos mas implacáveis passos
- como se de Hiroxima voltasse
com uma criança nos braços.

Sidónio Muralha, Poemas,
Porto, Editorial Inova Limitada, 1971

Lisboa, 1920 / Curitiba (brasil), 1982. Foi o benjamim dos Novo Cancioneiro com Passagem de Nível (1942). Durante a guerra, emigra para o Congo, então colónia belga, e vive dois anos em Bruxelas. Em 1961, radica-se no Brasil, onde edita várias obras. Publica também vários livros de poesia infantil. Todas as Crianças da Terra (1980) figura na lista de honra do International Board Books for Young People.