domingo, 16 de novembro de 2008
Não me chamem pelo nome
Não me chamem pelo nome
Que me deram ao nascer;
Sou como a folha caída
Que não chegou a viver.
Se eu sem riquezas nasci,
Cheguei a sonhar com elas
Na esperança de ser alguém;
Mas bem depressa deixei
A tortura de quem quer
Conquistar o que não tem.
Os nervos mortos, na terra
dos meus planos iludidos,
Mentiram à própria fome!
Por isso nesta indiferença
Peço apenas: - e é tão pouco!,
Não me chamem pelo nome.
Sou como a folha caída
Pisada por quem passeia
Alheio à luz e à beleza;
E de todas as venturas,
Só me encontro nos silêncios
Que tem a minha tristeza.
Perdi-me no sofrimento
Que nos dão as aparências
Que julgamos entender...
Da vida não quero nada;
E não me falem no nome
Que me deram ao nascer.
Sou como a flor esquecida
Nos canteiros da ilusão
De um jardineiro traidor,
Sou como fonte discreta
Entre folhagens cantando
Tristes cantigas de amor;
Ao fim de tanta vileza
Já não me posso iludir
Com as promessas da vida!
Tudo em mim sabe a derrota,
E até da morte duvido
- Sou como a folha caída.
Sou como tudo que passa
No giro do pensamento
De uma criança a brincar;
E os meus mais débeis desejos
Morrem aos ais na lembrança
De quem se esqueceu de amar;
Nada no mundo me prende;
Nem a saudade de um beijo
Num momento de prazer!,
- Pobre corpo sem destino,
Renúncia firme de artista
Que não chegou a viver.
António Botto, As Canções de António Botto,
Lisboa, Edições Ática, 1975, 15.ª ed.
N. 1900, Concavada (Abrantes)
F. 1959, Rio de Janeiro.
«António Botto é o único português, dos que hoje conhecidamente escrevem, a quem a designação de esteta se pode aplicar sem dissonância. (...) Artistas tem havido muitos em Portugal; estetas só o autor das Canções».
Fernando Pessoa, «António Botto e o ideal estético em Portugal» in Revista Contemporânea, vol. I, n.º 3, ano I, 1922
Que me deram ao nascer;
Sou como a folha caída
Que não chegou a viver.
Se eu sem riquezas nasci,
Cheguei a sonhar com elas
Na esperança de ser alguém;
Mas bem depressa deixei
A tortura de quem quer
Conquistar o que não tem.
Os nervos mortos, na terra
dos meus planos iludidos,
Mentiram à própria fome!
Por isso nesta indiferença
Peço apenas: - e é tão pouco!,
Não me chamem pelo nome.
Sou como a folha caída
Pisada por quem passeia
Alheio à luz e à beleza;
E de todas as venturas,
Só me encontro nos silêncios
Que tem a minha tristeza.
Perdi-me no sofrimento
Que nos dão as aparências
Que julgamos entender...
Da vida não quero nada;
E não me falem no nome
Que me deram ao nascer.
Sou como a flor esquecida
Nos canteiros da ilusão
De um jardineiro traidor,
Sou como fonte discreta
Entre folhagens cantando
Tristes cantigas de amor;
Ao fim de tanta vileza
Já não me posso iludir
Com as promessas da vida!
Tudo em mim sabe a derrota,
E até da morte duvido
- Sou como a folha caída.
Sou como tudo que passa
No giro do pensamento
De uma criança a brincar;
E os meus mais débeis desejos
Morrem aos ais na lembrança
De quem se esqueceu de amar;
Nada no mundo me prende;
Nem a saudade de um beijo
Num momento de prazer!,
- Pobre corpo sem destino,
Renúncia firme de artista
Que não chegou a viver.
António Botto, As Canções de António Botto,
Lisboa, Edições Ática, 1975, 15.ª ed.
N. 1900, Concavada (Abrantes)
F. 1959, Rio de Janeiro.
«António Botto é o único português, dos que hoje conhecidamente escrevem, a quem a designação de esteta se pode aplicar sem dissonância. (...) Artistas tem havido muitos em Portugal; estetas só o autor das Canções».
Fernando Pessoa, «António Botto e o ideal estético em Portugal» in Revista Contemporânea, vol. I, n.º 3, ano I, 1922