domingo, 2 de novembro de 2008

Canto da prisioneira grávida


É toda cheia de tonturas esta mágoa.
Hoje, dentro de mim, ouvi o meu filho chorar,
não por fome de pão, nem por sede de água,
- Por fome e sede da «Sonata ao Luar».

Isto das grades é decerto um pesadelo...
Filho, meu filho, nós iremos passear
pelo campo florido... E hei-de soltar o cabelo,
hei-de soltá-lo na «Sonata ao Luar».

Aqui, julgam que ter um filho é chamar a parteira...
Mas o chão às vezes começa a dançar,
e eu tenho medo, e sinto náuseas e canseira,
e fome e sede da «Sonata ao Luar».

Pesa-me o corpo. Não quero ver as grades...
Quero passar as mãos por veludos macios,
suaves como lembranças de saudades...
Mas na prisão só há sombras, calafrios,
lábios mordidos porque não querem gritar...
Os minutos de calma são raros, tão raros...

Dêem-me... dêem-me a «Sonata ao Luar»,
para que o meu filho tenha os olhos claros.

Sidónio Muralha, Poemas,
Porto, Editorial Inova Limitada, 1971