sábado, 13 de dezembro de 2008

Bárbara

Lembra-te Bárbara
Chovia em Brest
sem cessar naquele dia
Caminhavas à chuva
sorridente
radiosa encantadora deslumbrante
Lembra-te Bárbara
chovia em Brest
sem cessar
e eu passei por ti
na Rua do Sião.
Sorrias
e eu sorria
Lembra-te Bárbara
tu a quem não conhecia
tu que não me conhecias
Lembra-te
Lembra-te mesmo assim
daquele dia
Não te esqueças
Sob um pórtico
abrigava-se um homem
que gritou o teu nome
Bárbara
Correste para ele
à chuva
deslumbrante encantadora
radiosa
lançaste-te nos seus braços
Lembra-te Bárbara
E não me queiras mal
se te trato por tu
trato assim todos os que amo
mesmo se os vi só uma vez
trato assim todos os que se amam
mesmo até se os não conheço
Lembra-te Bárbara
Não te esqueças
essa chuva sábia e feliz
nesse teu rosto feliz
nessa cidade feliz
essa chuva sobre o mar
sobre o arsenal
sobre o barco para Ouessant
Ó Bárbara
que estupidez é a guerra
o que é feito de ti
agora
sob esta chuva de ferro
de fogo de aço de sangue
e daquele que te apertava nos braços
amorosamente
Morreu desapareceu
está vivo ainda
Ó Bárbara
Chove em Brest sem cessar
como chovia então
mas já nada é o mesmo
e tudo se estragou
É uma chuva de luto
de terrível desalento
Já não é sequer
o temporal
de ferro de aço de sangue
não passa agora de nuvens
que rebentam como cães
os cães que desaparecem
nessas torrentes de Brest
e apodrecerão lá longe
longe bem longe de Brest
onde já não resta nada.

Jacques Prévert
Tradução de Anthero Monteiro
Foto in www.toutelapoesie.com

Brest era um importante porto da Bretanha (França) que foi bombardeado pelos Aliados para neutralizar as defesas alemãs e possibilitar o desembarque nas praias francesas
em Junho de 1944.