Je ne crois que les histoires dont les témoins se feraient égorger! PASCAL, Pensées
Eu tinha chegado tarde à escola. O mestre quis, por força, saber porquê.
E eu tive que dizer:
Mestre! quando saí de casa tomei um carro para vir mais depressa, mas, por infelicidade, diante do carro caiu um cavalo com um ataque que durou muito tempo.
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O mestre zangou-se comigo:
Não minta! diga a verdade!
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E eu tive de dizer:
Mestre! quando saí de casa... minha mãe tinha um irmão no estrangeiro e, por infelicidade, morreu ontem de repente e nós ficámos de luto carregado.
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O mestre ainda se zangou mais comigo:
Não minta! diga a verdade!!
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E eu tive de dizer:
Mestre! quando saí de casa ... estava a pensar no irmão de minha mãe que está no estrangeiro ha tantos anos, sem escrever. Ora isto ainda é pior do que se ele tivesse
morrido de repente porque nós não sabemos se estamos de luto carregado ou não.
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Então o mestre perdeu a cabeça comigo:
Não minta, ouviu? diga a verdade, já lh'o disse!
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Fiquei muito tempo calado. De repente, não sei o que me passou pela cabeça que acreditei que o mestre queria efectivamente que lhe dissesse a verdade. E, criança como eu era, pus todo o peso do corpo em cima das pontas dos pés, e com o coração à solta confessei a verdade:
Mestre! antes de chegar à Escola há uma casa que vende bonecas. Na montra estava uma boneca vestida de corde-rosa! Mestre! a boneca estava vestida de cor-de-rosa! A boneca tinha a pele de cera. Como as meninas! A boneca tinha os olhos de vidro. Como as meninas! A boneca tinha as tranças caídas. Como as meninas! A boneca tinha os dedos finos. Como as meninas!
Mestre! A boneca tinha os dedos finos...
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José de Almada-Negreiros, Invenção do Dia Claro