domingo, 21 de dezembro de 2008

A falta que me fazem

Os meus amigos são tão poucos e às vezes
um a um quase me esqueço de lhes dizer
a falta que me fazem como quando
por exemplo numa sexta-feira à noite eu entro no café
e a cerveja nem me sabe nem o caralho.

A alegria é cada vez mais com a passagem
dos anos essa ave rara que só numa corrida com os
filhos num bosque de bétulas ou
numa tarde de domingo a desenhar com
eles um satélite ou num passeio à
noite na areia molhada da praia nas marés do
equinócio de forma imprevista v
erdadeiramente
pode visitar-nos.

Mas esta de que falo só com os meus
amigos e
é inominável que dizer dessa paz imensa
dessa felicidade quase sem imagens que é
sentarmo-nos à roda de uma
mesa e nem dizermos nada.

Os meus amigos são tão poucos que é
quase um
crime separarmo-nos assim deixarmos que às
vezes um número de telefone um círculo vermelho
a marcador no mapa do acp
uma carta sejam o mais que pode trazer às
nossas vidas essa ilusão de pertencer-nos o
mundo todo de não haver uma mulher uma
estrela uma cidade que não sejam
nossas para sempre.

Os meus amigos são tão poucos tão
imensos que
às vezes apetece-me deixar o computador
ligado a meio da tarde meter-me no carro pagar
a portagem da auto-estrada
permanentemente em
obras de conservação e procurá-los com
a agenda aberta nos seus nomes acordá-los
antes da alba só para lhes dizer
a falta que me fazem.

José Carlos Barros, in Revista de Poesía Aullido n.º 15, Poema Poema (Antologia de Poesia Portuguesa Actual), Punta Umbría, Huelva, 2006

José Carlos Barros nasceu em Boticas em 1963 e vive no Algarve. É lienciado em Arquitectura Paisagista pela Universidade de Évora. É autor de Pequenas Depressões (com Otília Monteiro Fernandes), Uma Abstracção Inútil, Todos os Náufragos, Teoria do Conhecimento e As Leis do Povoamento. Está representado em várias antologias.
Foto in www.cm-vrsa.pt