segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Canção monótona



















Monotonia...
Sempre a imagem das cousas que nos pesa...
A mesma cor vermelha de Alegria,
O mesmo claro-escuro da Tristeza...

Sempre, no mesmo corpo, a mesma doença: a vida!
Sempre a mesma elegia, em sílabas de mágoa...
Sempre o mesmo perfil de serra empedernida,
Onde o Inverno, a chorar, desenha espectros de água.
Bocas de tédio a envenenar o mundo...
Uma noite perpétua, emudecida e calma...
Negro pego de lágrima profundo,
Estagnação da Dor, em ermos longes de alma...
A memória em planície estéril e deserta.
Ouvir, durante o dia, o choro de uma fonte...
Sempre a mesma janela, eternamente aberta,
Sobre o mesmo horizonte...
Nos olhos, sempre a mesma indefinida imagem...
Sempre a mesma roseira a florescer por mim...
Sempre o mesmo silêncio, em formas de paisagem;
Ave a cantar, manhã de sol sem fim!
Um perpétuo sorriso, à flor do mesmo rosto...
Num gélido cristal, a mesma face absorta...
Sob um eterno sol-posto,
Eterna planície morta...
Em sons de espuma e névoa, a eterna voz do Mar,
A morrer, a viver nos areais de além...
Um eterno sepulcro, à luz de eterno luar...
A mesma vida, em nós, vivida por ninguém...
Constantecalmaria, eterno mar parado...
Este íntimo Alentejo em que se perde a gente...
Em nosso próprio ser, o Tempo desmaiado...
O mesmo, o mesmo, o mesmo, em nós, perpetuamente!
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Teixeira de Pascoaes, Poesia de Teixeira de Pascoaes,
Lisboa, Círculo de Leitores, 2004

Foto A.M.: Casa onde Pascoaes nasceu a 2 de novembro de 1877. A partir do terceiro ano de vida, passará a morar no solar setecentista em S. João de Gatão, concelho de Amarante. Aí virá também a falecer a 14 de dezembro de 1952.