domingo, 14 de dezembro de 2008

Harold Lloyd, estudante

Você tem o guarda-chuva?
Avez-vous le parapluie?

Não, senhor, não tenho o guarda-chuva.
Non, Monsieur, je n’ai pas le parapluie.

Alícia, tenho o hipopótamo,
L’hippopotame para ti.
Avez-vous le parapluie?

Oui.
Yes.
Sim.

Que, o qual, quem, cujo.
Se a lagarta é minha amiga,
evidentemente que o escaravelho é amigo teu.
Foste tu quem teve a culpa da chuva?
Não, tu não tiveste culpa nenhuma da chuva.
Alícia, Alícia, fui eu,
eu que estudo por ti
e por esta mosca inconsciente, rouxinol dos meus óculos em flor.

29, 28, 27, 26, 25, 24, 23, 22.
dois pi erre, pi erre dois
e converteu-se em macho Nabucodonosor
e a tua alma e a minha numa ave real do paraíso.

Já os peixes não cantam no rio Nilo,
nem a lua se põe para as dálias do Ganges.

Alícia,
porque me amas com esse ar tão triste de crocodilo
e essa pena profunda de equação de segundo grau?

Le printemps pleut sur les Anges.

A primavera chove sobre Los Angeles
nessa hora triste em que a polícia
ignora o suicídio dos triângulos isósceles
mais a melancolia de um logaritmo neperiano
e o unibusquibusque facial.

Nesta hora triste em que a lua vem a ser quase igual
à desgraça integral
deste meu amor multiplicado por X
e às asas da tarde que se dobra sobre uma flor de acetileno
ou uma andorinha de gás.

Deste meu puro amor tão delicadamente idiota.
Quousque tandem abutere Catilina patientia nostra?
Tão doce e deliberadamente idiota,
capaz de fazer chorar a quadratura do círculo
e obrigar esse tonto de D. Nequaqua Schmit
a leiloar publicamente essas estrelas propriedade dos rios
e esses olhos azuis que me abrem os arranha-céus.

Alícia, Alícia, meu amor!
Alícia, Alícia, minha cabra!
Segue-me pelo ar de bicicleta,
ainda que a polícia não saiba astronomia,
a polícia secreta.
Ainda que a polícia ignore que um soneto
é composto de duas quadras
e dois tercetos.

Rafael Albertí, Sonhos do Marinheiro
Tradução de Anthero Monteiro
Foto in www.todocoleccion.net