segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Um campo batido pela brisa
Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.
A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho um «pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.
Sete dias ao longo da semana
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
iluminado, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.
Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.
Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular,
Porto, Edições ASA, 1997, 3.ª ed.
Jornalista (Diário de Lisboa, República, etc.), nasceu em Coimbra, em 1937. «Contava não esticar o pernil antes de 1999, mas tropeçou sem querer». Licenciado em Filologia Germânica. Fez serviço militar em Angola entre 63 e 65, e muita da sua poesia é reflexo das duas vivências na guerra. Algumas obras: Cuidar dos Vivos,
Catalabanza, Quilolo e volta, Memórias do Contencioso, A Profissão Dominante, Nausicaah!, A Bela do Bairro e Outros Poemas e a noveleta Walt.
Imagem: Wife de Salvador Dalí
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.
A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.
Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho um «pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.
Sete dias ao longo da semana
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
iluminado, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.
Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.
Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular,
Porto, Edições ASA, 1997, 3.ª ed.
Jornalista (Diário de Lisboa, República, etc.), nasceu em Coimbra, em 1937. «Contava não esticar o pernil antes de 1999, mas tropeçou sem querer». Licenciado em Filologia Germânica. Fez serviço militar em Angola entre 63 e 65, e muita da sua poesia é reflexo das duas vivências na guerra. Algumas obras: Cuidar dos Vivos,
Catalabanza, Quilolo e volta, Memórias do Contencioso, A Profissão Dominante, Nausicaah!, A Bela do Bairro e Outros Poemas e a noveleta Walt.
Imagem: Wife de Salvador Dalí