terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Liturgia






José Agostinho Baptista
in www.jabaptista.com




Vi, nas árvores do paraíso,
inacessíveis frutos sem nome, amaldiçoados pelas
tribos.
A profecia cumpre-se:
os joelhos pousados nas tábuas gastas, o incenso
que atravessa as galerias, a prece,
as contas de um rosário fervorosamente repetido,
nada podem resgatar.
Junto à devassidão ou aos pés do altar,
o martírio, o corpo trespassado,
as águas santas do espanto, marcam a fronte:
condenados,
entramos na escuridão, no labirinto de luto
que dezembro trouxe à nossa vida,
e a palavra terrível ouve-se sobre o sepulcro,
e a chuva,
e o eco das pás escavando, abrindo
a casa definitiva,
não se sabe em que celeiro onde os amantes
se deitavam a ouvir o coração,
as suas marés vivas a subir por dentro.
E o trigo batia levemente na canção do desejo.
E eu era aquele que chegava depois do trigo,
carregando a cruz.

José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da Nossa Morte,
Lisboa, Assírio & Alvim, 1998

Ver Bibliobiografia deste audor madeirense aqui