sábado, 20 de dezembro de 2008

Tu queres-me branca

Queres-me toda alva
queres-me de espuma,
queres-me de nácar.
Que seja a açucena
mais imaculada,
de ténue perfume,
corola fechada,

Por raio de luar
nem sequer beijada,
que nem a uma pérola
seja comparada.
Tu queres-me nívea,
tu queres-me branca,
queres-me toda alva.

Tu que foste dono
de todos os trunfos,
com os lábios roxos
de frutos e mel.
Tu que nas orgias
coberto de pâmpanos
as carnes deixaste
celebrando Baco.
Tu que nos jardins
negros da traição
vestiste de púrpura
até à podridão.

Tu que o esqueleto
conservas intacto
nem sequer entendo
porquê tal milagre,
pretendes-me branca
(que Deus te perdoe)
pretendes-me casta
(que Deus te perdoe)
pretendes-me alva!

Foge para os bosques,
vai para a montanha,
lava bem a boca,
vive nas cabanas,
toca com as mãos
a terra molhada,
alimenta o corpo
com raiz amarga,
bebe dos rochedos
e dorme ao relento

Renova os tecidos
com sal e com água,
fala com os pássaros,
ergue-te à alvorada.
E quando o teu corpo
te for devolvido,
e quando puseres
nele aquela alma
que pelas alcovas
ficou enredada,
então tu, bom homem,
pretende-me branca,
pretende-me nívea,
pretende-me casta.

Alfonsina Storni, tradução de Anthero Monteiro

Foto in www.lacotelera.com

Monumento de Luis Perlott a Alfonsina Storni, na praia La Perla, no mar del Plata, onde a poeta argentina se suicidou em 25 de Outubro de 1938.