segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Presente do indicativo



















entro na cozinha. ela está no meio dos legumes,
lava e enxuga folhas terras de alface, endívias de oblonga contextura, corta a cebola às rodelas, pica um ramo de coentros,
hesita um pouco sobre o roquefort, é certeira no vinagre e no sal,

e prudente no azeite, o ovo cozido espera a sua vez e a
saladeira aguarda na mesa junto aos azulejos brancos.
ela procura os talheres de madeira na gaveta,
pede-me qualquer coisa, a lâmina reluz sobre a tábua, perto do pão.
a preparação da salada requer vários gestos precisos

e uma poética discreta nos brilhos frisados, nos
paladares, pela janela chegam os ruídos da rua,
campainhas de bicicleta, ressaltos de uma bola.
o cão dormita no sofã. Uns versos populares comparam
os olhos dela a azeitonas pretas.

Vasco Graça Moura, Poesia 1963-1995,
Lisboa, Círculo de Leitores, 2001