Cago na juventude e na constestação
e também me cago em Jean-Luc Godard.
Minha alma é um gabinete secreto
e murado à prova de som
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas paredes
nem uma só gravura de Lichtenstein
ou Warhol. Nas prateleiras
entre livros bafientos e descoloridos
não encontrareis decerto os nomes
de Marcuse e Cohn-Bendit. Nebulosos
volumes de qualquer filósofo
maldito, vários poetas graves
e solenes, recrutados entre chineses
do período T’ang, isabelinos,
arcaicos, renascentistas, protonotários
– esses abundam. De pop apenas
o saltar da rolha na garrrafa
de verdasco. Porque eu teimo,
recuso e não alinho. Sou só.
Não parcialmente, mas rigorosamente
Só, anomalia desértica em plena leiva.
Não entro na forma, não acerto o passo,
não submeto a dureza agreste do que escrevo
ao sabor da maioria. Prefiro as minorias.
De alguns. De poucos. De um só se necessário
for. Tenho esperança porém; um dia
compreendereis o significado profundo da minha
originalidade: I am really the Underground.
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Rui Knopfli, Memória Consentida, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1982
Rui Knopfli nasceu em Moçambique (1932). É autor também de O País dos Outros (1959), Reino Submarino (1964), Máquina de Areia (1964), Mangas Verdes com Sal (1969), A Ilha de Próspero (1972) e O Escriba Acocorado (1978), entre outros.