terça-feira, 28 de outubro de 2008
A ave sobre a cidade
Era noite fechada
na cidade insone,
saí para as ruas,
não sei que buscava:
Achei uma ave!
Achei uma ave!
A noite era dia,
a noite era dia
para quem tinha
achado uma ave.
Ofegante corria,
deslumbrado corria,
a todos mostrava
a admirável ave
que na mão levava.
Mostrava-a feliz
aos vagabundos
e às prostitutas,
às criancinhas
e aos desgraçados
e todos corriam
a meu lado vinham
e todos levávamos
a ave sonhada:
Olhai esta ave!
Olhai esta ave!
Vinham os jovens
e as moças em flor,
a ave pousava-lhes
no bico dos seios;
vinham os poetas
e os operários,
vinham os soldados,
vinham os sábios
e as costureiras:
Esta ave é nossa!
Esta ave é nossa!
A noite era dia
e, cheias as ruas,
éramos um rio
de risos, de lágrimas
de ansiedade;
levávamos o sonho
há muito sonhado,
levávamos a ve:
Onde outra igual?
Onde outra idgual?
Foi quando vieram
os que não querem
nem flores nem aves
assim admiráveis;
de armas nas mãos
traziam o fogo
dos vivos infernos:
Largai essa ave!
Largai essa ave!
Então corri para eles
com a ave na mão,
olhei-os nos olhos
com a ave na mão
e a ave cantava
sem corpo nos galhos
do meu ser violado;
a ave voava
sobre a cidade:
Esta ave não morre!
Esta ave não morre!
Papiniano Carlos, A Ave sobre a Cidade,
Porto, Livraria Paisagem, 1973
Nasceu em Lourenço Marques (Maputo) - Moçambique, em Novembro de 1918. Vai, por isso, fazer no próximo mês 90 anos. Esteve em Abril passado nas Quartas Mal Ditas do Clube Literário do Porto, onde, homenageando o anti-fascista, foram lidos este e outros poemas de pendor neo-realista. Recorde-se o que, um dia, lhe disse numa mensagem Óscar Lopes: «...há muitos anos que sei de cor aquele poema da "Ave sobre a cidade", que ainda hoje é actual e que para mim próprio repito, cada vez mais convicto, através de todas as mudanças: Esta ave não morre! Esta ave não morre!...
É muito conhecido enquanto autor de livros infantis, sobretudo de A Menina Gotinha de Água e A Viagem de Alexandra, mas é também o autor do extraordinário poema Canto Fraternal, comemorativo da derrota do fascismo na Europa em 8 de Maio de 1945.
na cidade insone,
saí para as ruas,
não sei que buscava:
Achei uma ave!
Achei uma ave!
A noite era dia,
a noite era dia
para quem tinha
achado uma ave.
Ofegante corria,
deslumbrado corria,
a todos mostrava
a admirável ave
que na mão levava.
Mostrava-a feliz
aos vagabundos
e às prostitutas,
às criancinhas
e aos desgraçados
e todos corriam
a meu lado vinham
e todos levávamos
a ave sonhada:
Olhai esta ave!
Olhai esta ave!
Vinham os jovens
e as moças em flor,
a ave pousava-lhes
no bico dos seios;
vinham os poetas
e os operários,
vinham os soldados,
vinham os sábios
e as costureiras:
Esta ave é nossa!
Esta ave é nossa!
A noite era dia
e, cheias as ruas,
éramos um rio
de risos, de lágrimas
de ansiedade;
levávamos o sonho
há muito sonhado,
levávamos a ve:
Onde outra igual?
Onde outra idgual?
Foi quando vieram
os que não querem
nem flores nem aves
assim admiráveis;
de armas nas mãos
traziam o fogo
dos vivos infernos:
Largai essa ave!
Largai essa ave!
Então corri para eles
com a ave na mão,
olhei-os nos olhos
com a ave na mão
e a ave cantava
sem corpo nos galhos
do meu ser violado;
a ave voava
sobre a cidade:
Esta ave não morre!
Esta ave não morre!
Papiniano Carlos, A Ave sobre a Cidade,
Porto, Livraria Paisagem, 1973
Nasceu em Lourenço Marques (Maputo) - Moçambique, em Novembro de 1918. Vai, por isso, fazer no próximo mês 90 anos. Esteve em Abril passado nas Quartas Mal Ditas do Clube Literário do Porto, onde, homenageando o anti-fascista, foram lidos este e outros poemas de pendor neo-realista. Recorde-se o que, um dia, lhe disse numa mensagem Óscar Lopes: «...há muitos anos que sei de cor aquele poema da "Ave sobre a cidade", que ainda hoje é actual e que para mim próprio repito, cada vez mais convicto, através de todas as mudanças: Esta ave não morre! Esta ave não morre!...
É muito conhecido enquanto autor de livros infantis, sobretudo de A Menina Gotinha de Água e A Viagem de Alexandra, mas é também o autor do extraordinário poema Canto Fraternal, comemorativo da derrota do fascismo na Europa em 8 de Maio de 1945.