terça-feira, 28 de outubro de 2008

A noite-viúva

Uma pequena angústia sentida nos joelhos
Como o bater do próprio coração
E é a noite que chega
Não a noite-diamante
Mas a noite-viúva a noite
Sete vezes mais impura do que eu
Em passo obsceno em obscena força
Minúscula perversa venenosa

Escrevo o teu nome
Noite de amor que de longe me defendes
Escrevo o teu nome contra a noite obscena
Que a meu lado espera seduzir-me
Levar-me consigo
À porca solidão onde trabalho
À insónia sem margens ao vinho solitário
Duma pequena angústia
Escrevo todos os teus nomes
Puxo-os para mim tapo-me com eles
Na noite da surpresa
Noite feroz da surpresa
Noite do amor atacado de perto e conseguido
Alto e convulsivo
Noite dos amantes deslumbrados
Iluminados pelo demónio mais puro
Noite como uma punhalada ritual no invisível
Noite da vítima-triunfante

Escrevo o teu nome a meu favor e contra
Esta noite este murmúrio esta invenção atroz
A que chamam o dia-a-dia
Estas quatro minúsculas patas
Venenosas da angústia

Escrevo o teu nome cruel
Puro e definitivo.

Alexandre O'Neill, Tomai lá do O'Neill!,
Lisboa, Círculo de Leitores, 1986


Em 1962, O'Neill respondeu ao Questionário de Proust, no Jornal de Letras e Artes (17/01). Algumas das perguntas / algumas das respostas:

Qual é para si o cúmulo da miséria moral?
A exploração do homem pelo homem.

Quais as heroínas masi admiradas da vida real?
As mondadeiras.

Que capacidade mais aprecia no homem?
A capacidade de se sacrificar por uma causa justa.

Qual a sua ocupação favorita?
A conversa amena.

Qual a maior das desgraças?
A trabalheira de Sísifo.

Que cor prefere?
O azul marinho.

A flor de que mais gosta?
A rosa.

O pássaro que lhe merece mais simpatia?
O pardal. Mas há um que tem um nome lindo: o abelharuco.

In A Phala n.º 88 - Set 2001
Foto: um abelharuco para O'Neill (da Wikipédia)