segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Crepúsculo


Cai a tarde, dentro e fora.

E agora, ao cair da tarde,

frio, caminho, por fora,

face estranha à tarde que arde

na hora que cai agora.

Adeus, tarde. Vou-me embora

antes que seja mais tarde.

Não quero ser leão covarde:

quando tem dentes, devora,

quando os não tem, geme e chora,

anjo falso que se inflora

à hora em que cai a tarde.

Oh não quero! Vou-me embora

antes que seja mais tarde.

Para quê sentir agora

se agora é a hora da tarde?

Não há nada que nos guarde,

nem defenda nem resguarde

do que na hora é outrora.

Chora, chora, chora, chora.

Não chores mais. Vai-te embora

antes que seja masi tarde.


António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967),
Lisboa, Portugália Editora, 1975
(foto A.M.)