Que esta linda criancinha
Andou no meu ventre e agora
Trago-a nos braços. É minha!…
Do berço, segue-me os passos;
Onde eu vou, seus olhos vão…
E quando a aperto nos braços
- Abraço o meu coração.
Quando o seu choro receio,
Embalo-a, faço que aceite
A alegria do meu seio
Na brancura do meu leite…
E quando assim não descansa,
Que tristezas me consomem!
- Mas antes chore em criança
Que depois, quando for homem…
Se ao dá-lo ao mundo sofri
Tormentos, ânsias mortais,
Desgraça, vai-te de aqui,
O que pretendes tu mais!?
Bate as asas, mas ao voares
Não me apagues esta estrela.
Se alguém de aqui precisares,
- Aqui me tens, em vez dela.
Tocam às ave-marias.
Foi-se o sol. Não vem a lua.
Luzinha que me alumias,
Que sorte será a tua?…
Riquezas tenhas tão grandes,
E tal bondade também,
Que ao redor donde tu andes
Não fique pobre ninguém.
Que a todos chegue a ventura:
Toda a boca tenha pão,
Toda a nudez cobertura,
Toda a dor, consolação…
Mas se o oiro é mau caminho,
- Antes tu venhas a ser
O pobre mais pobrezinho
De quantos pobres houver.
Iremos por esses montes
Altos e azuis como os céus…
Que onde há frutos e onde há fontes,
Está a mesa de Deus!
E, quando a neve cair
E as seivas adormecerem,
Iremos então pedir…
(Aceitar o que nos derem!)
Andaremos à mercê
Dos génios bons e dos falsos,
Léguas e léguas a pé,
Rotinhos, magros, descalços…
E onde houver urzes e tojos,
Pedras que rasgam a pele,
Porei o corpo de rojos
- Passarás por cima dele!
Dorme, dorme, meu menino,
Foi-se o sol. Nasceu a lua.
Qual será o teu destino?
Que sorte será a tua?…
Se um crime tens de fazer,
Antes fique vago um trono,
Antes um palácio a arder,
Do que uma enxada sem dono…
Se, porém, no teu destino,
Há tão cruentos sinais,
Dorme, dorme, meu menino,
- Não tornes a acordar mais!…
Augusto Gil, Luar de Janeiro,
Sintra, Edições Mnuscrito, 1984