e a sombra adormeceu os sons e as cores.
Um manto negro-azul vestiu a tarde,
evola-se em perfume a alma das flores.
Penteia a Lua os pálidos cabelos,
em madeixas, em fios de luar.
Agora toda a música é silêncio,
silêncio grave, sonho a flutuar.
Pulsa em surdina o coração do vento,
embalando em cadência, a folha, o ninho.
Flor-de-lótus no lago adormecido,
o cisne fecha as pétalas de arminho.
Na terra viva de milhões de vidas,
as sementes palpitam e as raízes:
rasgam-lhe a pele ardente as mãos dos homens,
tapam-lhe as mãos da chuva as cicatrizes.
Um frémito perpassa, o vento acorda,
a chuva cai, a noite fecha as asas…
Estrela a estrela, apagam-se as estrelas,
a manhã, casa a casa, acende as casas.
A cor e os sons despertam; canta a fonte
um canto de água, balbuciante e vago.
Surgem da noite os sete véus da aurora,
desfolha-se o arco-íris sobre o lago.
Fernanda de Castro, 70 Anos de Poesia,
Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1989
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