terça-feira, 21 de outubro de 2008
Balada das onze e meia
Onze e meia: meia hora
para acabar este dia.
Meia hora ainda é hoje.
Meia hora é amanhã.
Às onze e meia da noite
vai haver muita pancada
num bar da rua das Pretas.
Vai haver muita mudança
nos decretos aprovados.
Às onze e meia da noite
no quarto não se ouve nada
mas no berço uma criança
dorme o sono dos poetas
que andam subalimentados.
Às onze e meia da noite
direi vinte e três e trinta.
Acordo o galo vermelho
com dois murros no pescoço.
Canta, canta, meu pelintra
o dia de hoje é tão velho
que amanhã já estamos mortos.
Às onze e meia da noite
os ódios nunca estão fartos.
Às onze e meia da noite
a morte anda lá fora
a pedir contas à vida
e os polícias têm medo
da própria sombra que pisam.
Onze e meia. Está na hora.
No relógio ainda é cedo.
Os ponteiros não deslizam.
Às onze e meia da noite
esperamos por amanhã.
Chega a morte para a ceia
com dois pezinhos de lã.
Passam gatunos, canalhas
com seus múltiplos perfis.
Caem corpos e navalhas
no silêncio dos lancis.
Onze e meia. A meia hora
que falta, nunca mais passa.
Não passa. Nunca mais passa.
Eu sei lá quanta desgraça
se apodera em meia hora
das ruelas e dos becos
que apodrecem na cidade!
São onze e meia. É agora
que os olhos verdes dos cegos
pressentem a claridade.
Às onze e meia da noite
o vento não bate à porta
nem quer saber de mais nada.
Às onze e meia da noite
no bar da rua das Pretas
continua a haver pancada.
Às onze e meia da noite
os cães disputam a dente
uma cadela aluada.
Às onze e meia da noite
há travestis no Rossio
à pesca dos marinheiros
que deixaram o navio
e fazem ondas de cio
no sangue dos paneleiros.
Bateram as onze e meia.
Só faltam trinta minutos.
Acende-se a lua cheia
na rua dos Sapateiros.
São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo
entre lençóis de algodão.
Fincar no flanco uma espora.
Cavalgar por meia hora.
Dar rédeas ao coração.
Às onze e meia da noite
é tempo de solidão.
E nas entranhas do medo
fazem-se filhos diversos.
Como o padeiro faz versos
ou um poeta faz pão.
Às onze e meia da noite.
Às onze e meia da noite,
recebem-se embaixadores
e à mesma hora os porteiros
afugentam os trapeiros
vestidos de malfeitores.
Às onze e meia da noite
a Primavera passou-se
para o lado do Outono.
E uma Maria qualquer
nas alamedas do sono
cansada de ser mulher
ás onze e meia matou-se.
Em ponto. São onze e meia.
Esta noite os redimidos
hão-de fazer por esquecer.
Bem comidos e bebidos
não tardam em adormecer.
E um frasco de comprimidos
na mesa de cabeceira,
vai ajudar os sentidos
a cozer a bebedeira.
Às onze e meia da noite.
Às onze e meia da noite
num gabinete privado
(como a irmã cotovia)
o tipo que está ao lado
cantou tudo que sabia
para subir de ordenado.
Às onze e meia da noite
rastejam cobras na lama
onde afocinham as putas
Senhoras Donas da Cama.
Mas aquelas que são putas.
Não as que têm a fama.
São onze e meia da noite.
Já só falta meia hora.
Apenas trinta minutos.
Às onze e meia da noite
ponho a tristeza de lado
e uma gravata de seda.
Quero ouvir cantar o fado.
Quero dar uma facada
no galo da consciência.
Quero menos paciência
e um pouco mais de loucura.
E enquanto são onze e meia
e ainda dura a pancada
no bar da rua das pretas,
os putos fazem punhetas
em jeito de habilidade
apenas com quatro dedos.
E descobrem os segredos
de nascerem portugueses
filhos de um povo adiado.
Feitos aqui e agora.
Quando falta meia hora
para acabar o passado.
Joaquim Pessoa, 125 Poemas – Antologia Poética,
Lisboa, Litexa, 1983, 2.ª ed.
para acabar este dia.
Meia hora ainda é hoje.
Meia hora é amanhã.
Às onze e meia da noite
vai haver muita pancada
num bar da rua das Pretas.
Vai haver muita mudança
nos decretos aprovados.
Às onze e meia da noite
no quarto não se ouve nada
mas no berço uma criança
dorme o sono dos poetas
que andam subalimentados.
Às onze e meia da noite
direi vinte e três e trinta.
Acordo o galo vermelho
com dois murros no pescoço.
Canta, canta, meu pelintra
o dia de hoje é tão velho
que amanhã já estamos mortos.
Às onze e meia da noite
os ódios nunca estão fartos.
Às onze e meia da noite
a morte anda lá fora
a pedir contas à vida
e os polícias têm medo
da própria sombra que pisam.
Onze e meia. Está na hora.
No relógio ainda é cedo.
Os ponteiros não deslizam.
Às onze e meia da noite
esperamos por amanhã.
Chega a morte para a ceia
com dois pezinhos de lã.
Passam gatunos, canalhas
com seus múltiplos perfis.
Caem corpos e navalhas
no silêncio dos lancis.
Onze e meia. A meia hora
que falta, nunca mais passa.
Não passa. Nunca mais passa.
Eu sei lá quanta desgraça
se apodera em meia hora
das ruelas e dos becos
que apodrecem na cidade!
São onze e meia. É agora
que os olhos verdes dos cegos
pressentem a claridade.
Às onze e meia da noite
o vento não bate à porta
nem quer saber de mais nada.
Às onze e meia da noite
no bar da rua das Pretas
continua a haver pancada.
Às onze e meia da noite
os cães disputam a dente
uma cadela aluada.
Às onze e meia da noite
há travestis no Rossio
à pesca dos marinheiros
que deixaram o navio
e fazem ondas de cio
no sangue dos paneleiros.
Bateram as onze e meia.
Só faltam trinta minutos.
Acende-se a lua cheia
na rua dos Sapateiros.
São onze e meia da noite
e eu quero ficar contigo
entre lençóis de algodão.
Fincar no flanco uma espora.
Cavalgar por meia hora.
Dar rédeas ao coração.
Às onze e meia da noite
é tempo de solidão.
E nas entranhas do medo
fazem-se filhos diversos.
Como o padeiro faz versos
ou um poeta faz pão.
Às onze e meia da noite.
Às onze e meia da noite,
recebem-se embaixadores
e à mesma hora os porteiros
afugentam os trapeiros
vestidos de malfeitores.
Às onze e meia da noite
a Primavera passou-se
para o lado do Outono.
E uma Maria qualquer
nas alamedas do sono
cansada de ser mulher
ás onze e meia matou-se.
Em ponto. São onze e meia.
Esta noite os redimidos
hão-de fazer por esquecer.
Bem comidos e bebidos
não tardam em adormecer.
E um frasco de comprimidos
na mesa de cabeceira,
vai ajudar os sentidos
a cozer a bebedeira.
Às onze e meia da noite.
Às onze e meia da noite
num gabinete privado
(como a irmã cotovia)
o tipo que está ao lado
cantou tudo que sabia
para subir de ordenado.
Às onze e meia da noite
rastejam cobras na lama
onde afocinham as putas
Senhoras Donas da Cama.
Mas aquelas que são putas.
Não as que têm a fama.
São onze e meia da noite.
Já só falta meia hora.
Apenas trinta minutos.
Às onze e meia da noite
ponho a tristeza de lado
e uma gravata de seda.
Quero ouvir cantar o fado.
Quero dar uma facada
no galo da consciência.
Quero menos paciência
e um pouco mais de loucura.
E enquanto são onze e meia
e ainda dura a pancada
no bar da rua das pretas,
os putos fazem punhetas
em jeito de habilidade
apenas com quatro dedos.
E descobrem os segredos
de nascerem portugueses
filhos de um povo adiado.
Feitos aqui e agora.
Quando falta meia hora
para acabar o passado.
Joaquim Pessoa, 125 Poemas – Antologia Poética,
Lisboa, Litexa, 1983, 2.ª ed.